sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Caminhos - Vieira Vivo - crônica


     Há quarenta e oito horas não conseguia carona. Parado em uma localidade hostil, à beira do trevo, e ciente dos perigos das rotas à frente: a floresta densa e pequenas cidades afastadas por quilômetros de solidão e esquecimento. E, ainda a lama recobrindo tudo em meio ao âmago central do continente.

     Ao descer naquelas paragens, vindo na boléia de um caminhão madeireiro, que a partir dali infiltrara-se, ainda mais, na selva, não imaginava o quanto seria penosa sua permanência por aquelas bandas. As pessoas o olhavam com desdém e rancor. Não conseguiu vender nenhum artesanato para comprar comida. Tampouco conseguiu alimentar-se  esmolando.  Desde  que  chegara nenhum outro caminhão ou veículo havia tentado arrastar-se por aquelas estradas de lamaçal e armadilhas.
                                                                                                                            
     Um rapaz aproximou-se e confidenciou-lhe que há poucos dias um casal de hippies havia matado um caminhoneiro, naquelas trilhas. As notícias eram controversas, uns falavam em assalto por parte dos andarilhos, enquanto outros os defendiam e alegavam que o motorista havia tentado violentar a moça. De qualquer forma, a animosidade entre a população estava à flor da pele. Cada vez mais, sentia-se observado com uma espécie de ódio e desprezo.

      No início da manhã do terceiro dia decidiu continuar a viagem a pé. Tinha esperanças de encontrar algum tipo de carona pelo caminho. Olhou à frente e mirou intensamente aquela cicatriz de barro perdendo-se no horizonte. Reverenciou a mata fechada em ambos os lados e seguiu seu caminho.
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     Horas depois o sol estava a pino quando a estrada encontrou um monte elevado. Havia caminhado seis horas seguidas, o que em passadas se compara a trinta quilômetros. Ofegante e faminto olhou para o céu e pediu forças ao Supremo. A subida do monte, à sua frente, apresentava-se íngreme e com profundas rachaduras no leito da estrada provocadas pela erosão de avalanches causadas pelos aguaceiros constantes.
                              
     Ao dar os primeiros passos avistou uma cobra enrolada, ao sol, bem no meio do caminho. Tentou desviar-se para a direita e deparou-se com outra maior. Logo acima, mais outra e outra e outra.... Ao firmar  as  vistas para o alto do cume espantou-se ao ver dezenas de serpentes em toda a extensão da subida. Algumas enroladas, outras se esgueirando através do barro, outras, ainda, esmagadas por rodas  de caminhões. Nesse instante teve a nítida visão de si mesmo. Sentiu-se um nada.  Um ser ínfimo e indefeso perdido na imensidão vazia do tempo. E assim, como simples poeira cósmica caminhou através do cansaço, dos ofídios, dos obstáculos e galgou a montanha qual um sonâmbulo sedento em busca de uma miragem messiânica e inalcançável.
                           
     Ao chegar ao topo, uma visão redentora engrandeceu seu coração de alegria. Abaixo, uma pequena cidade, dormente pelo mormaço da selva, o aguardava surgida no mapa apenas para ofertar-se como trampolim para outros novos e desconhecidos caminhos.

livro Agudas Crôncias

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