quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Universo Paralelo - Vieira Vivo - crônica

     Haviam se conhecido pelo mundo viajando e vendendo artesanato. Eram estradeiros de primeira hora. Dialogavam filosofias e natureza, livros e canções, flautas e ervas. Os corpos sempre habituados ao relento sono e a um brilho cristalino envolvendo cada ação. Um deles, argentino, também nada possuía e como o outro, percorria o planeta de carona ou a pé. Naquela manhã encontraram-se no Terreiro de Jesus, em Salvador, e conversaram sobre novas e prementes caminhadas. Batalharam o desjejum e, após, firmaram datas. Um sairia sexta-feira e o outro pegaria a estrada um dia depois.

     Após três meses, um deles dormia num  banco de  concreto  na  rodoviária de Parati. A manhã chegou com motores e bagagens, pessoas e burburinhos, obrigando-o a incorporar-se ao matutino movimento humano. Após guardar as cobertas na mochila, sentou-se observando a cidade, quando, de repente, viu o amigo saltar de um caminhão à sua frente. Abraçaram-se sorrindo com entusiasmo e comentaram o fato inusitado de chegarem pontual-mente, um dia após o outro, tendo, já se passado meses após a partida.


     Passaram o dia expondo artesanatos, porém, a noite os encontrou na estrada. O mar marulhava abaixo da encosta e a rodovia palmilhava montes em magníficos requebros abraçada à paisagem. Haviam caminhado bastante, comido pouco e pegado chuva com lama. No entanto, uma carona ao fim da tarde fez com que as pedras continuassem a ro-lar. Ao anoitecer, com os cobertores totalmente úmidos sobre uma grama baixa observaram a quietude do recanto até que a névoa envolvesse o mundo em sono. Ao levante, despertaram encharcados de orvalho, beberam água das pedras e refeitos continuaram a caminhada.

     Após alguns quilômetros, o sol apresentou-se forte e quente e uma bica ao lado e abaixo da estrada convidou-os a um descanso, banho e lavagem das roupas. O argentino argumentou que iria pedir algo para comer em uma casinha avistada à distância, mais ao longe. O outro concordou agachando-se para iniciar os trabalhos de limpeza do barro nas calças e camisas, enquanto olhava o companheiro caminhando ao longe.

     Horas se passaram, as roupas secaram e o amigo não retornou. Levantou-se, pegou os dois sacos de viagem e dirigiu-se à pequena moradia. Ao perguntar pelo amigo, um caiçara idoso disse que ninguém estivera pedindo nada ali. O homem  assegurou, ainda,
que ele era a primeira pessoa a passar a pé por aquela estrada naquele dia.
   
     Ao entardecer, ainda, encontrava-se no mesmo local observando a cercania incrédulo. Na manhã seguinte continuou a viagem sozinho.

livro Agudas Crônicas

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